Entrevista con Télia Negrão, secretaria ejecutiva de la Red feminista de salud derechos sexuales y derechos reproductivos y miembro del colegiado del Colectivo femenino plural.


Segundo sua experiência, o movimento feminista e demais organizações estão usando as TICs para prevenir e combater a violência contra a mulher? Considera este uso suficiente ou limitado? Que experiências conhece?


Acredito que deva ser estabelecida uma separação entre o uso para fins pessoais de informação e prevenção da violência ou para sair de situações de violência e do trabalho que o movimento feminista faz ou pode fazer neste sentido.


Quanto ao uso pessoal, esta é uma questão difícil de ser medida, ainda que minha pesquisa tenha entrevistado cerca de 120 mulheres e elas informaram que o uso da internet as auxiliou a tomar conhecimento de direitos e que as informações obtidas pela internet influenciam nas discussões em casa sobre papéis e lugares de gênero.


No entanto, o baixo acesso das mulheres brasileiras às tecnologias da informação mantém grandes parcelas sem a possibilidade de valer-se deste meio.


Quanto ao uso pelo movimento feminista e de mulheres, creio que esta é uma estratégia crescentemente utilizada, o que não significa uma automática utilização por parte das potenciais destinatárias, as próprias mulheres, nem que seja em quantidade e qualidade necessárias para considerar-se como satisfatório.


O ativismo digital, como a produção dos abaixo assinados ou as denúncias contra expressões do machismo e do sexismo, da defesa da Lei Maria da Penha, da condenação de violações de direitos humanos de mulheres em todas as partes do mundo, tem sido uma estratégia mobilizadora, mas deve ser vista com reservas. Infelizmente, tais iniciativas caem no esquecimento na mesma velocidade em que são geradas, ficando muito pouco de processo a ser avaliado.


Ademais, não saem dos círculos dos grupos já existentes, embora seja necessário reconhecer que cresce a cada dia esta presença no meio digital. No entanto, o uso de comunidades na internet para a defesa dos direitos humanos das mulheres tem sido menor do que aqueles que classificam as meninas de “putinhas”, “galinhas” ou defendem a violência como método para domesticar as mulheres. No conceito de violência adotado pela Cedaw, Belém do Pará e Lei Maria da Penha, tais manifestações são violência contra a mulher. Estaríamos, assim, ocupando este espaço para combater as manifestações que aí ocorrem? Acho que não.


Há, no entanto, algumas experiências concretas de trabalho direto com mulheres e meninas com vistas ao seu empoderamento e para enfrentar a violência, utilizando-se de tecnologias, como um projeto implementado por minha ONG, o Coletivo Feminino Plural, com meninas, denominado “Meninas Sabidas”. Ocorreu em 2004 e trabalhou comum grupo de meninas de 12 a 16 anos, numa vila em Porto Alegre. Durante quase um ano as meninas foram envolvidas em debates sobre cidadania e direitos humanos e elaboraram insumos para um site. Infelizmente, o projeto auto-financiado não conseguiu elaborar o produto final, no entanto inseriu inúmeras adolescentes num espaço de acesso público, discutindo a violência como um dos mais importantes temas. Atualmente, em outra comunidade, o Coletivo desenvolve um projeto denominado “Meninas e jovens construindo a cidadania”, com metodologia semelhante e com produto final um site, e trabalhando violência de gênero.


Outra estratégia do CFP foi a produção de um DVD, denominado “Canto de Cicatriz” sobre a violência sexual contra mulheres e meninas, cujo roteiro é um poema de Celso Gutfriend, cuja tiragem já chegou a 10 mil exemplares, e que ganhou o Prêmio Unesco de Direitos Humanos. É utilizado em capacitações sobre violência, tanto das redes de atendimento quanto de mulheres, assim como em escolas. É veiculado em tevês educativas de todo o Brasil, passou no Canal Brasil, e canais abertos do Ri Grande do Sul.


Há outras inúmeras experiências, bastante conhecidas, como a Rede de Mulheres do Rádio, que formou dezenas de mulheres em todo o país para utilizar as TICs em direitos e programas de rádio elaborados por mulheres que orientam sobre prevenção à violência. No entanto, quando fiz minha pesquisa e nas incursões que continuo fazendo, encontro poucas experiências destinadas unicamente à prevenção da violência, pois na verdade o tema vem inserido numa agenda mais ampla de relações de gênero, racismo, direitos sexuais e reprodutivos. Sua qualidade é evidenciar e desnaturalizar esta forma de violação dos direitos humanos através da informação, mas não necessariamente com a mudança de comportamento da sociedade.


2. Utiliza as TICs no combate à violência contra a mulher em seu trabalho?


De certa forma, sim, quando desenvolvemos na Rede Feminista ou no Coletivo Feminino Plural ações como os dossiês sobre a Violência de Gênero contra Meninas (2005) ou o Banco de Textos sobre Violência Contra a Mulher (2008), mas sabemos que estas iniciativas são limitadas e as usuárias podem fazer um uso meramente instrumental destes materiais, sem necessariamente produzirem conhecimento ou impactar suas vidas pessoais.


A Rede Feminista de Saúde desenvolveu em parceria com a Rede de Mulheres do Rádio um trabalho de produção de CDs com programas de rádio, um projeto financiado pela Fundação Ford e que foi interrompido em 2006. Foram realizadas oficinas para a capacitação de mulheres em tecnologias utilizando-se de temas de DSDR e a violência era uma das principais abordagens. No entanto, não temos avaliação desta experiência. Temos produtos inacabados por falta de recursos para sua conclusão, que poderiam estar auxiliando milhares de mulheres na sua ação cotidiana.


a) Quais?


(x) TV


(x) Rádio


(x) Internet


( ) Celular


( ) Outras – especificar: Para uso em capacitações, para mobilizações e até como chamariz para o debate sobre os direitos das mulheres na sociedade.


b) De que maneira são utilizadas?


(x) Programas de capacitação


( ) Serviços de denúncia


( ) Campanhas


(x) Mobilizações


( ) Outras – especificar: em projetos de ação direta.


c) Comente exemplos do uso de TICs em seu trabalho (exemplos, efetividade, alcance, dificuldades e outros aspectos que considerar relevantes).


Vou responder de uma perspectiva pessoal: como profissional de comunicação, já tive programas de rádio e tevê em emissoras de alta audiência, tratando da informação, orientação e encaminhamento das mulheres, chamavam-se Direitos da Mulher, Clube das Mulheres e o Minuto Perfumado, no Paraná e no Rio Grande do Sul. O impacto destas iniciativas é enorme, especialmente quando em rádios abertas e que criam possibilidades de receber as mulheres.


Durante o tempo em que tive o Programa de Radio em Porto Alegre (1991) se estabeleceu uma verdadeira rede de apoio, que envolvia vizinhas, posto da mulher, defensoria pública, uma rede de advogados que atuavam gratuitamente, num período em que não havia delegacia da mulher nem Lei Maria da Penha. O programa foi retirado do ar porque competia com outro apresentador, que também era o coordenador da rádio, inconformado com o seu sucesso. Na época gerou protestos e uma pilha de cartas que guardo até hoje com muito carinho.


As outras experiências foram no contexto da minha ONG e na Rede Feminista, de acordo com o relatado nas experiências acima. Tenho planos de dedicar-me a isto quando me aposentar e deixar a Secretaria Executiva da Rede, no ano que vem.


3. Quais recomendações faria ao governo brasileiro sobre a questão da violência contra mulheres e as TICs?


O governo trabalha de forma ineficiente frente ao seu potencial de utilização dos meios de comunicação. No Brasil a televisão é o meio que mais informa e influi no comportamento da sociedade, no entanto o Governo Federal, por exemplo, nunca desenvolveu uma campanha continuada de desnaturalizaçao da violência contra as mulheres, de efetiva condenação da prática e de orientação às mulheres. Todas as campanhas foram pontuais e descontinuadas.


Eu recomendaria campanhas criativas e continuadas, em parceria com o movimento de mulheres.


Se considerarmos os números de apoio tipo 0800 como instrumento de TICs, estes ainda são pouco conhecidos da população e ineficazes.


Estamos muito longe do ponto “J” da Plataforma de Beijing, perdendo o tempo e deixando de reverter o fato de que os meios de comunicação, como parte do sistema de TICs, ainda veiculam a imagem distorcida das mulheres, depreciam seu papel e lugar na sociedade, com raras janelas para o questionamento. A democratização dos meios de comunicação constitui uma agenda estratégica para as mulheres. No entanto não se vê a SPM ou CNDM, por exemplo, engajados neste componente.


Outra estratégia seria de ampla “alfabetizaçao” das mulheres para o uso das TICs, em especial do uso da informática e do acesso à aquisição de computadores pessoais. A tecnofobia é presente nas mulheres mais velhas, havendo um gap a ver vencido.


O incremento aos telecentros, desde que com políticas adequadas em todos os sentidos, inclusive na segurança das mulheres que os frequentam, no combate às discriminações a que estão expostas nestes lugares e ao fim das restrições de horários de funcionamento.


O acesso de meninas e meninos é diferenciado, pois minha pesquisa detectou que os telecentros na periferia de Porto Alegre fecham no horário em que as meninas poderiam utilizá-los, enquanto os meninos passam toda à tarde. Elas ficam em casa a lavar roupa e louça e a limpar a casa, e quando chegam aos pontos de acesso, já está quase fechando. Ademais, o uso dessas ferramentas é feito sem orientação, cursos ou outro meio de capacitação, para que a internet seja ferramenta não só de mera informação, mas de construção de conteúdos e de saber. Ou seja, se estabelece aí a desigual possibilidade.

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